"Para onde vão as elites dirigentes"

Posted by lawrence On domingo, 10 de julho de 2011 0 comentários

O artigo que abaixo transcrevo, escrito por João Carraça, Director do Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian e dado à estampa no "Público" de hoje, é uma "pedrada no charco" onde nos atolaram e aponta muito do que nós, Portugueses e Benfiquistas, devemos saber e exigir a quem nos governa, seja na política como no desporto.
É longo mas vale bem o tempo!

"As cúpulas europeias: fausto e loucura"

"A principal característica que distingue os seres vivos de tudo o que é inanimado é a de terem a capacidade de antecipar um futuro para sobreviver: são sistemas "antecipatórios". Uma bactéria representa o mundo à sua volta para decidir o que poderá comer. Tal como nós. Ou como qualquer sociedade humana. É na qualidade dessa representação, desse modelo de futuro, isto é, na sua adequação à realidade, que reside a possibilidade de continuar a existir de modo organizado.
Nas sociedades primitivas, ou nas muito próximas dos limites de subsistência, o sistema antecipatório resumia-se à mente do líder, aquele cuja responsabilidade era guiar o grupo ao longo do tempo, no caminho da sobrevivência. É esta proximidade dos limites que justifica que o líder, se enlouquecer, seja seguido por todos os outros membros do grupo num estouro (da manada, ou stampede) com consequências normalmente fatais e que parecem absurdas a um observador externo.
A liderança numa sociedade é, pois, imprescindível. É no seu seio que o modelo do futuro a seguir é concebido. É por este motivo que as elites são importantes. As elites são os subgrupos dentro duma sociedade cuja função é produzir líderes. Nos primórdios da história, as sociedades não geravam recursos para suportar mais do que uma elite dirigente, constituída pela família real ou imperial, os sacerdotes, os generais e alguns escribas. Mas a evolução das civilizações deu-se no sentido de um continuado crescimento da sua riqueza material e dos recursos de que dispunham. As elites proliferaram e fragmentaram-se, deixando no seu centro uma elite dirigente que mantinha a supervisão do "sistema do futuro". Como? Através do controle da informação crucial para a tomada de decisões. As questões realmente importantes, o modelo do futuro, eram resguardados como "segredos de Estado". A elite dirigente alimentava-se, inclusivamente, da constelação de elites - política, económica, financeira, eclesiástica, militar, académica, artística - que a seguiam.
Hoje é diferente: a fragmentação das elites tornou-se obsessiva com a especialização sistemática ocorrida nas nossas sociedades. A elite dirigente globalizou-se, partiu para além-fronteiras, deixando uma elite política a ocupar pretensamente o seu lugar, pois tendo sido educada num sistema de fortíssima especialização, não percebe que agora não tem mais que "controlar" a informação, mas sim que funcionar como "fonte" credível de informação sobre o futuro. A falta de uma cultura integral faz-se sentir em qualquer indivíduo, tanto a nível da cúpula como no do mais humilde cidadão.
A elite política está sem eira nem beira. Desapossada de não poucos atributos fundamentais da soberania, ocupa-se agora apenas do curto prazo: ganhar as próximas eleições. Tornou-se uma co-produtora de eventos faustosos. Ou seja, comprimidos entre uma elite dirigente que não sabem onde se encontra e os media, incapazes de dialogar com as outras elites por deformação cultural, os políticos da velha Europa estão a enlouquecer - todos sem excepção - pois não vêem mais do que uma fracção estreita da realidade: aquela que os seus assessores arrebanham dos media e dos serviços secretos, cozinhada à pressa e sem tempero. O estouro espreita.
A função social de qualquer elite dirigente é a de gerar uma visão de longo prazo e construir os instrumentos e indicadores adequados para a materializar no decurso do tempo. Para isso, terá de saber examinar conscientemente a relação entre poderes e saberes, na medida em que precisará de se articular com outra elites (porventura com estratégias divergentes) para validar o seu projecto de futuro. Claro que, sabendo que antecipar o futuro não é um dom outorgado por graça divina, mas antes um esforço conseguido através de uma racionalidade aplicada, qualquer elite terá de repensar continuamente o processo da sua própria renovação. É que o futuro foge. As elites que precisamos são as que se estão a preparar para essa corrida, não as que baralham percepções com observações, opiniões com factos, mitos com realidades."

A reter!
E a reler, se fôr o caso!

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